"Façamos
uma ficção literária. Imaginemos que Jesus, aquele profeta curioso e
incômodo, se houvesse mimetizado em um dos cardeais que entrarão em
silêncio na Capela Sistina para a eleição do novo pontífice.
Imaginemos que esse cardeal, sem que os demais soubessem que é Jesus, tivesse um curriculum parecido com o de Jesus.
Vocês creem que ele seria eleito papa? Temo que não.
(...)
Seria eleito um cardeal que como Jesus, ao invés de tratar com bençãos,
favores, gestos diplomáticos a governos e ditadores do momento lhes
dissesse, quando pretendessem intervir nos assuntos da Igreja ou quando
tentassem reprimir a liberdade de expressão no mundo, "ide dizer que eu
seguirei pregando?" Foi assim que Jesus respondeu ao rei Herodes que
pretendia condená-lo ao silêncio.
Seria
eleito um cardeal que tivesse a coragem de dizer: "Dai a Deus o que é
de Deus e a Cesar o que é de Cesar?" O Banco do Vaticano e suas
transações em paraísos fiscais, e as manobras da Cúria para influenciar
os parlamentos, são coisas de Cesar ou de Deus?
(...)
Seria eleito um cardeal capaz de desenterrar aquela passagem terrível
de Jesus contra os abusadores de crianças, para os quais pediu "pena de
morte" ao invés de esconder ou minimizar os escândalos de pedofilia na
Igreja que segue defendendo hipocritamente o celibato obrigatório?
Seria
eleito um cardeal capaz de abrir as portas da Igreja para fieis e
infiéis, católicos ou não, todas as tribos de fé e de ateísmo do mundo
porque, como dizia Jesus, em seu reino cabem todos e todos são
igualmente dignos de ser considerados filhos de Deus?
Seria
eleito um cardeal capaz de anunciar no seu primeiro discurso que todos
os teólogos condenados ao ostracismo por seus antecessores, todas as
vítimas da Congregação para a Doutrina da Fé estariam livres para seguir
investigando com liberdade de espírito o poço inesgotável da verdade
revelada?
E, por fim, seria eleito um cardeal capaz de derrubar as mesas do Templo, de expulsar dali os que fazem da Igreja um jogo de negócios às vezes tão sujo que tem provocado suicídios e assassinatos?
A
Igreja tem medo de cardeais jovens. Nomeia a maioria de anciãos. Parece
esquecida que Jesus era "papa", quer dizer, profeta e evangelizador com
apenas 30 anos. E que o mataram na flor da vida. E que o poder, tanto
religioso quanto civil, tombou diante dele.
(...) A verdade assusta ao poder e assusta à Igreja na medida em que ela [a Igreja] se mescla e se confunde com o poder mundano.
Definitivamente, Jesus teria poucos votos no conclave. Para ele a fumaça seria negra.
(Blog do Noblat)
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